MEMÓRIAS DA OBSOLESCÊNCIA

MEMÓRIAS DA OBSOLESCÊNCIA

Esta exposição reúne um conjunto de obras da coleção de Ella Fontanals-Cisneros que têm em comum o vídeo como meio. Trata-se de um conjunto de obras produzidas por artistas de nacionalidades e backgrounds diversos, selecionados pelo potencial de discutir o meio do qual se utilizam. Com uma variedade de abordagens que vão do documentário à ficção, passando por todas as formas narrativas híbridas intermediárias, muitas das obras que apresentamos exploram a possibilidade e as consequências da incorporação do tempo na obra. Por isso, elas estão ligadas a algo que acontece ou que aconteceu, a causa e efeito das ações das quais são produto, estabelecendo uma relação próxima com a performance, esse outro meio das artes visuais contemporâneas que introduz o temporal dentro da materialidade do objeto no âmbito visual.


Os artistas que integram a exposição possuem diversas referências históricas, como as primeiras experiências com o vídeo, que nos anos 1960 e 1970 estiveram vinculados às práticas conceituais, ou com a arte feminista relacionada, de modo geral, aos processos de identificação de minorias sexuais ou étnicas, assim como evidenciam os interesses nas complexidades sempre híbridas das culturas contemporâneas influenciadas pelo pensamento antropológico, além de reivindicar as possibilidades de intervenção nos processos de construção da história do nosso tempo sem deixar de lado as reflexões sobre as políticas espaciais urbanas. Unem-se, por fim, a um grupo muito representativo de diferentes abordagens não só do vídeo, mas também da produção artística contemporânea em geral.


Se uma das intenções desta exposição é a de que este conjunto de obras proporcione ao público do Paço das Artes um contato com um tipo de prática, somando-se às oportunidades para compartilhá-la e, nesse sentido, esperamos que desde esta apresentação seja cumprido o papel de disseminador, também queremos destacar na seleção um interesse comum em questionar e deixar em evidência as especificidades do meio. Por isso, utilizamos como principal referência para esta proposta de curadoria um texto histórico de Rosalind Krauss[1] no qual ela argumenta justamente que, se, por um lado, o vídeo (assim como qualquer outro meio) está, em princípio, isento de uma lógica interna que possa distingui-lo com precisão teórica e histórica de outros meios, também, assegura Krauss, é um meio que, pelo momento de seu surgimento dentro da história da arte, coloca em um jogo permanente e contraditório suas relações de identidade com seus equivalentes, seja pintura, escultura, desenho, fotografia ou qualquer outra tentativa de caracterizar as práticas artísticas de acordo com os meios pelos quais os artistas decidem expressar suas ideias. Em suma, o vídeo, assim como a instalação, a performance ou os meios digitais, nesse jogo de negação e afirmação diante dos meios tradicionais, olha para si mesmo constantemente, mas sem a possibilidade daqueles de criar um distanciamento reflexivo entre objeto e sujeito, o que Krauss chama de “estéticas do narcisismo”. É, para dizer de outro modo, um meio de presente contínuo, no qual todo o passado se torna obsoleto. Por isso quisemos dar à exposição o título Memórias da obsolescência, memórias do vídeo observando a si mesmo, construindo e destruindo as fronteiras que o definem.


Jesús Fuenmayor

Diretor e curador-geral da Cisneros Fontanals Art Foundation (CIFO)

Share by: